Monday, March 26, 2007

Os bastidores do carnaval dos Gaviões














A partir de hoje, colocaremos fotos e texto do Livro "Os Bastidores do Carnaval dos Gaviões de 2006."
Vamos começar com o prefacio, escrito pela jornalista e amiga, Leonor.

Gavião de coração

Foi em meados de abril do ano passado que a Elaine apareceu nos Gaviões da Fiel, procurando orientação para seu Trabalho de Conclusão de Curso. Era início de gestão dos irmãos Tonhão e Pulguinha, presidente e vice-presidente da torcida organizada até o ano que vem.

Além de Elaine, no ano passado dezenas de estudantes procuraram nossa entidade para trabalhos universitários variados: teve quem fizesse sobre as finanças de uma torcida organizada, para a faculdade de administração; teve quem relatasse a história dos Gaviões da Fiel em livro, para a faculdade de jornalismo; teve quem procurasse estudar a ocupação geográfica da cidade por meio dos Gaviões da Fiel, para a faculdade de geografia; e teve também quem nos procurasse para a elaboração de uma campanha de marketing que nos ajudasse a limpar a imagem que as torcidas organizadas têm de violentas, entre outros estudos acadêmicos.

Elaine escolheu fotografar a preparação de um carnaval dentro dos Gaviões da Fiel, contar com imagens o que nossa comunidade vive durante um ano inteiro, congelar o trabalho difícil de cada integrante da torcida que se transforma em Escola para sambar e ensinar alegria durante 1h05 na Avenida.

Quando a estudante de jornalismo chegou na quadra pela primeira vez para ver um debate sobre o Estatuto do Torcedor acompanhada de uma amiga corinthiana que faria com ela o trabalho, mal sabia cantarolar o hino do Corinthians. Não tinha um time de coração, só uma herança de família que não despertava em Elaine nenhuma emoção. Aquele time paulista com as três cores, que a moça não sabia dia de jogo, posição na tabela dos campeonatos, craque, técnico. Nem sequer a escalação.

Procurou os Gaviões da Fiel porque gostava de carnaval, porque já tinha visto a Escola fazer bonito no Sambódromo uma, duas, três, dez vezes. Ela só não imaginava que lá, naquela ruazinha alvinegra do Bom Retiro, que começa (vejam que ironia) na rua de uns italianos e termina em meio à vida miserável dos moradores da Favela do Gato, carnaval e futebol não se separam. Um nasceu do outro, de umas batucadas na arquibancada para incentivar o Corinthians ou reclamar quando o time não ia bem, quando o torcedor era (e ainda é) maltratado, quando o futebol e o mundo saíam ganhando ou perdendo.

O carnaval nos Gaviões da Fiel nasceu da alegria de gostar de futebol, de passar os domingos de sol (e chuva) nos estádios, de ocupar e conhecer cidade, estado e país atrás do Corinthians. Nasceu da alegria máxima de ser corinthiano.

A única contrapartida para Elaine fotografar o que é vivido na quadra durante os 12 meses que se faz carnaval e futebol era viver aquilo também. Freqüentar a nossa sede, conhecer quem são os Gaviões, conversar com os associados. Mas isso nem foi preciso pedir, na bem da verdade. A moça, que gosta quase nada de falar, chegou tímida e virou amiga.

Como não é fácil viver futebol (não com essas administrações), torcida organizada (não com esse descaso do Estado) e carnaval (não com essa Liga) no Brasil, logo a amiga corinthiana de Elaine desistiu. Sobrou para contar a história justo a que nem corinthiana era.

Não sabemos se foi sorte ou azar, ou faro jornalístico ou coincidência, mas a amiga-repórter escolheu justo o ano mais conturbado dos Gaviões no carnaval para viver. Subíamos de um rebaixamento e encontraríamos a Mancha Verde no Grupo Especial, motivo suficiente para a Liga das Escolas de Samba de São Paulo criar um dia exclusivo para agremiações ligadas a torcidas organizadas. E como nós não somos patetas, nós somos os Gaviões, com tradição no samba e na luta, entramos na Justiça para garantir um direito da comunidade conquistado dia após dia, ano após ano, vitória após vitória e algumas, bem poucas, derrotas na Avenida.

Ganhamos na Justiça e fizemos um dos desfiles mais bonitos de todos os tempos, mas não foi suficiente para aplacar a sede de vingança de uns e outros. Fomos rebaixados novamente, para a surpresa até dos amigos da Rede Globo. Então, decidimos sair do carnaval e essa é uma discussão que ainda segue dentro da sede. Deixar isso de lado ou não deixar? Como teríamos conhecido a Elaine, por exemplo, se essa decisão tivesse sido tomada antes? A conversa e a dúvida permanecem.

Talvez tenha sido isso ou os amigos que Elaine fez na quadra, a comunidade do Bom Retiro, da Favela do Gato, a cerveja e a feijoada de sábado, o samba animado, a batucada da escolinha de bateria, as crianças pobres da capoeira ou da escolinha de futebol, a vontade de mudança do nosso povo, de ver o futebol diferente, o mundo diferente, a nossa luta para colocar em prática essa mudança, os nossos defeitos, as pisadas de bola, a humildade para reconhecê-las e voltar atrás, a energia na arquibancada, o nosso amor incondicional pelo Corinthians, as nossas bandeiras bastante erguidas, ou talvez tudo isso junto. O fato é que depois que Elaine pisou nos Gaviões da Fiel ela nunca mais saiu de lá. Nem quando ela revelou as fotografias e o trabalho terminou.

Hoje ela permanece na luta conosco, corinthianos que chegaram aos Gaviões da Fiel por outro motivo, mas não menos, nem mais legítimo. Nos ajuda no Departamento Social, Cultural e de Comunicação e freqüenta as arquibancadas alvinegras, porque mais do que Gaviões, hoje a Elaine torce por um time, tem o coração ocupado pelo Corinthians que ela descobriu através de nós e se emociona com vitórias e derrotas dentro e fora de campo. A moça só fez o caminho contrário, mas fez.

O que a gente espera desse trabalho da Elaine? É que ela consiga se formar e prospere em todos os aspectos da sua vida, que é o que nós desejamos, na verdade, para todos os amigos. E mostre para a faculdade, para a cidade, para o Estado e, por que não?, para o mundo como vivem os Gaviões em cada sorriso clicado, suor derramado, lágrima sincera, punho levantado, vontade demonstrada, contradição assimilada. Porque mais do que revelar os Gaviões da Fiel esse trabalho serviu para revelar a Elaine.

São Paulo, 23 de maio de 2006