Monday, December 04, 2006

Com chave de ouro

Na última rodada do Campeonato Brasileiro, decidi enfrentar o sol e levar meu filho ao Pacaembu para assistir a Corinthians e Juventude. Pedi aos amigos que comprassem meu ingresso antecipadamente porque, mesmo com as atuações ridículas da equipe ao longo do ano e os mensalões da diretoria, achei que na despedida de 2006 mais pessoas iriam ao estádio. Engano meu.

Tranqüilamente e sem enfrentar fila, peguei o Luquinhas pela mão e fui em direção às catracas da entrada principal portando somente o meu ingresso porque crianças menores de 12 anos estão isentas do pagamento de ingressos em jogos no Pacaembu, segundo a Lei Municipal 11.256 de 1992.




- Você tem ingresso para ele também? – me perguntou um orientador.
- Não, senhor. Ele tem só 5 anos e não paga.
- Para entrar aqui nesse setor ele deve pagar. Gratuito é só no setor lilás.

O setor lilás é aquele que não é nem na curva, nem no meio e nem atrás do gol. É o cantinho onde mais bate sol, onde não se consegue olhar para o lado contrário sem ficar cego. O lugar reservado para a família onde, durante o jogo todo, milhares de vendedores circulam no pequeno espaço e te fazem falir enquanto seu filho se empanturra de pipoca, sorvete, amendoim, salgadinho, cachorro-quente, refrigerante, suco, água.


- Não quero assistir lá. Quero ter o direito de ver o jogo com meu filho na arquibancada amarela como sempre fiz. Não é a primeira vez que entro com ele por aqui, sem pagar sua entrada.
- Você está mentindo! Nem deve vir em jogo – se exaltou o orientador.


Engano dele. Vou desde sempre e o Luquinhas me acompanha há 3 anos. O que acontece é que como o jogo não tinha público, eles decidiram ganhar em cima das crianças e descumprir uma lei.
- É uma determinação do Corinthians!


Durante a minha discussão, centenas de pais passavam os ingressos de seus pequenos corinthianos pela catraca, sem ao menos questionar. Até bebê de colo pagou.


- E lá na lilás meus amigos podem entrar conosco?
- O espaço é pequeno…


Ir ao estádio hoje em dia se trata mesmo de fazer escolhas, mas juro que jamais pensei em ter que optar entre amigos e família para ver o jogo comigo. Que visão distorcida é essa que torna família e amigos incompatíveis?


- Seria mais fácil se você não tivesse filho, né, mãe?!
- Não diz isso, Lucas. Por mim, estaríamos todos juntos.


Enfim, fui procurar a ouvidoria do Corinthians para fazer uma reclamação. Mais do que questionar conceitos nada cidadãos, fui me indignar porque nenhum interesse financeiro (será só esse?) pode estar acima de uma lei. Ou de duas leis, a municipal e a federal.


O Corinthians tem fingido não conhecer também diversos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Como o artigo 4º:


“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”


Ou o artigo 5º:


“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”


Ou ainda o 16º, com alguns parágrafos únicos:


“O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:


I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;


(…)


V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;(…)”


Depois de ir de lá para cá, debaixo de sol e segurando o Luquinhas no colo, vendo o tempo passar e tentando achar a ouvidoria que ninguém sabia onde era (fica a minha dica: o representante do ouvidor corinthiano está no Portão 3 do Pacaembu, ao lado da bilheteria da esquerda do estádio), encontrei uma orientadora, na frente de uma mesinha.


Perguntou meu nome, meu telefone, meu endereço e simplificou em um papelzinho branco que minha reclamação era sobre o fato de eu não ter conseguido entrar com um menor na arquibancada principal sem pagar ingresso.


- Menor de 5 anos, escreve aí!
- Daqui uns dias, o Marcelo (Góes, advogado, ouvidor do Corinthians) entrará em contato com você por telefone.
- E se não entrar?
- Aí você tenta falar com ele…


(…)


- Mamãe, compra ingresso para mim porque nós podemos pagar…
- Mas tem gente que não pode, Lucas. E tem o direito de vir com o filho no estádio.
- Mas você tem dinheiro aí.


Eu já preparava o discurso político sobre não compactuar com isso, sobre como a diretoria do Corinthians extorquia dinheiro, sobre o nosso papel nessa história toda e sobre como o Corinthians estava ensinando ao meu filho que “quem tem dinheiro pode mais”, mas aí vi que era o Lucas, com seus cinco anos e toda sua expectativa.


Entrei na fila que se estendia por metros, enfiei meu orgulho no meio das pernas e comprei um ingresso para ele. Coloquei seu ingresso na catraca e ele passou por baixo como sempre.


- Roda a catraca, Lucas. Pode rodar.


E o orientador me olhou com cara de vitória. De goleada.


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E a história não pode morrer por aí. Se alguém passar por uma situação semelhante a minha, vale a reclamação na ouvidoria do Corinthians e na CBF. Para falar com o ouvidor corinthiano Marcelo Góes é preciso se munir de paciência. Não há um telefone disponível na página da internet, nem um endereço de correio eletrônico ou de caixa postal. Recomendo telefonar no (11) 6195-3000, no ramal 3101, que é a área de comunicação, conforme me disse a telefonista do clube. Ou se dirigir até o portão 3, ao lado da bilheteria da esquerda do Pacaembu (esquerda de quem sobe a praça Charles Muller).


O ouvidor da CBF, organizadora do Campeonato Brasileiro, é o Juiz de Direito Francisco Horta. Seu correio eletrônico é horta.ouvidor@cbffutebol.com.br e sua caixa postal é 16.251, CEP: 22.221-971 – Largo do Machado, Rio de Janeiro – RJ. Recomendo enviar uma carta com Aviso de Recebimento.


Isso porque, se quiser ir ao Procon mover uma ação pelo abuso, é melhor ter em mãos suas reclamações. E guarde o ingresso de seu filho que serve como comprovante. A página do Procon de São Paulo é http://www.procon.sp.gov.br/.


Também é possível registrar um Boletim de Ocorrência contra o organizador da partida por ter ferido o Estatuto da Criança e do Adolescente. É só se dirigir a uma delegacia mais próxima.